Autismo: A séria
questão do preconceito social contra o
Há séculos, quiçá milênios, existe na
humanidade ,ou seja, nas sociedades por todo o planeta, um forte preconceito
contra não olhar nos olhos.
Há
quem diga, por exemplo, que quem não olha nos olhos não inspira confiança, não
tenha caráter, e, recentemente cheguei mesmo a ver uma postagem no face alegando
que a Oxford University, da Inglaterra, orientando seus alunos no sentido de
dizer que : “pessoas que não olham nos olhos seria um ato racista”.
Mas
voltando ao assunto que é matéria deste artigo,e, voltando ao Brasil, fica
muito clara a desconfiança do público quanto a não olhar nos olhos,
desconfiança esta que expressa e destila
o mais sério preconceito.
Quantas
pessoas que olham nos olhos e não tem caráter?Quantas pessoas não mentem para outras olhando nos olhos?Quantas
pessoas não fazem as mais terríveis crueldades olhando nos olhos?Muitas,
incontáveis!
Então
por que esta “tradição” milenar, esta acepção tão imbuída e cristalizada nas tradições populares, de que quem não olhe
nos olhos não mereça confiança?
Enquanto
o povo nega a quem não olhe nos olhos o direito ‘a confiança e honestidade, nas
ciências psiquiátricas/psicanalíticas, este preconceito é expresso de outra
forma, não menos cruel , mas igualmente fria e insensível: elas tratam o “não
olhar nos olhos” como se este fosse um
sintoma, uma limitação, uma grave barreira para o desenvolvimento, a
maturidade, e, principalmente, para a sociabilidade.
Será
o gesto de não olhar nos olhos tão importante assim? Será a relação
interpessoal dentro da sociedade tão baseada assim em algo tão prosaico e sem importância?Será
que a sociabilidade e o sucesso dos indivíduos depende tanto assim de olhar nos
olhos, se tal gensto é tão traiçoeiro e já provou ao longo dos séculos que não
funciona, que não é um indicador confiável de caráter e confiança como a
tradição alega? Não seria tal desconfiança uma falácia hipócrita?
Aqui
então cabe falar um pouco das razões psicológicas de Autistas não olharem nos
olhos:
Por
milênios a humanidade tem usado o olhar nos olhos como uma ferramenta de
dominação, autoridade, severidade, de autoritarismo. As pessoas que dominam as
outras pelo olhar são admiradas e cultuadas pela sociedade- eis que pois,
apesar de toda a crítica, as sociedades adoram uma ditadurazinha e um
autoritarismo, embora isto não possa ser generalizado, ou não teríamos os
contestadores,os revolucionários, os que lutam pelo Estado de Direito,
Constituição e Democracia- E as que são dominadas pelo olhar e oprimidas por
ele, ninguém fala, nem admira, são taxadas de doentes, fracas, inconfiáveis,
traiçoeiras, quando, no geral dos casos, isto nem um pouco corresponde ‘a
verdade, ‘a realidade. Puro preconceito.
O
olhar nos olhos também é visto pela sociedade como uma maneira de tentar se
impor o respeito e de enfrentar as pessoas, já que muitas vezes as relações
humanas são vistas não como relacionamentos democráticos, civilizados,
horizontais, mas como a mais vertical das competições.
As
pessoas que se olham nos olhos estariam se medindo uma á outra e tentando estabelecer
o lado da dominância para dizer quem manda e quem obedece., e quem não olha nos
olhos não estabelece esta relação de dominância, já está dominado, é inferior,
e covarde, por que foge do enfrentamento e das medições de forças. E isto é uma
falácia das mais desonestas, uma sociedade que viva de inter-dominâncias é uma
sociedade doente!
E
na maioria esmagadora das vezes, não olhar nos olhos não tem nada a ver com
covardia ou potencial de traição, muito menos com falta de caráter. Se é
preciso se auto-afirmar perante o outro e perante a sociedade para conquistar
seu respeito, que deveria ser natural e
não condicional, então vivemos numa sociedade não apenas doente, mas
imatura e infantilizada, e aí poderemos considerar que não olhar nos olhos seja
uma atitude madura e adulta, mais
consciente e civilizada, posto que mais sensível.
Mas,
perguntariam certamente vocês, por que raios Autistas não olham nos olhos?
Talvez
a maior razão seja esta que acabou de ser citada:uma questão de sensibilidade e
poética.
O
Autista é um ser contemplativo por natureza, observador de si mesmo e do mundo
que o cerca, em que o olhar também o leva para outros mundos, outras dimensões
que só ele vê e vive quando quer.Assim, ele recusa esta exigência irracional de
medir forças, competir pelos olhos, estabelecer relações de dominância e
submissão.
Como
sabemos, o Autista é um insubmisso por natureza, seu senso de liberdade e autossuficiência
emocional estão acima dos relacionamentos .Para o autista, as relações
interpessoais não são as prioridades e sim, sua liberdade e autonomia pessoal
para exercer sua contemplação.Por sua própria natureza, ele odeia a exigência de relações de dominância e
competição na sociedade, pois o Autista não vive para competir, vive para si
mesmo, o Eu focado no Eu.
Eis
que pois, então, o Autista pode não estar olhando nos olhos como um ato de
rebeldia ao Sistema. Ou também, como Autistas são muito diferentes entre si,
por evitar olhares severos e autoritários, que eles temem e odeiam.
Mas
muita gente pode dizer: mas eu não “fuzilo” o Autista com meu olhar, eu procuro
transmitir amor, carinho, meiguice, eu não entendo...
Aí
é que está a questão. Não importa a sua intenção ou como você interpreta o que
você faz, mas importa mesmo para o Autista é a interpretação do que ele entende
do que você faz. Para ele, a interpretação dele é que importa, por mais que
você jure de pés juntos que a interpretação dele esteja equivocada, que não
tenha nada a ver. Você pode pensar o que quiser, mas como ele vê, como ele
pensa e como ele interpreta é o que realmente importa para ele e ele vai agir e
interagir baseado na interpretação dele, não na sua. Ele tem o senso próprio
dele, muitas vezes ele nem usa o senso comum, a lógica é outra.
Assim,
é bastante comum, especialmente nos Autistas que tem famílias as quais o
Autista interpreta como sendo severas e autoritárias(mesmo que elas mesmas
achem que não sejam), evitar o olhar nos olhos-muitas vezes eles tem traumas
psicológicos inclusive de infância por conta de experiências assustadoras e
opressoras com olhares nos olhos-como mecanismo de autoproteção contra novos
traumas e más experiências de vida que influenciem de modo maligno suas
sensibilidades, destruam seus sonhos, etc.
É
verdade que muitos Autistas com o tempo acabam olhando nos olhos, mas
,sinceramente? A Sociedade vê isto como uma vitória, uma superação, eu,
diferentemente desta interpretação, vejo como uma simples adaptação a um
ambiente hostil, abrindo mão de parte de seu jeito de ser para ser aceito-algo
injusto, não acham?
Então,
não penso que devamos exigir de nossos filhos que nos olhem nos olhos, eles tem
suas razões para isto e deveríamos respeitá-las.Se olharem um dia, ok, mas se
não quiserem, não devemos pressionar, ficar estimulando (muitas vezes os
autistas interpretam os estímulos como sendo uma forma de pressão disfarçada),
e sim, compreender e respeitar, ao invés de encarar isto como se fosse desconfiança,
imaturidade, sintoma, doença, deficiência, limitação.
Mesmo
por que, depois de muitos anos de ter o não olhar nos olhos como hábito
arraigado, é difícil a gente mudar isto por dentro e fazer esta adaptação, este
modelamento ao que a sociedade caprichosamente (no pior sentido)quer.
Para
compreender e incluir, devemos crescer. E para crescer, muitas vezes precisamos
nos libertar de velhas tradições arraigadas e malignas, como o preconceito
contra não olhar nos olhos!
Cristiano
Camargo
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