terça-feira, 25 de abril de 2017

Autismo: A séria questão do Preconceito social contra o não olhar nos olhos



Autismo: A séria questão do preconceito social contra  o

não olhar nos olhos







 Há séculos, quiçá milênios, existe na humanidade ,ou seja, nas sociedades por todo o planeta, um forte preconceito contra não olhar nos olhos.
Há quem diga, por exemplo, que quem não olha nos olhos não inspira confiança, não tenha caráter, e, recentemente cheguei mesmo a ver uma postagem no face alegando que a Oxford University, da Inglaterra, orientando seus alunos no sentido de dizer que : “pessoas que não olham nos olhos seria um ato racista”.
Mas voltando ao assunto que é matéria deste artigo,e, voltando ao Brasil, fica muito clara a desconfiança do público quanto a não olhar nos olhos, desconfiança esta que expressa  e destila o mais sério preconceito.
Quantas pessoas que olham nos olhos e não tem caráter?Quantas pessoas não  mentem para outras olhando nos olhos?Quantas pessoas não fazem as mais terríveis crueldades olhando nos olhos?Muitas, incontáveis!
Então por que esta “tradição” milenar, esta acepção tão imbuída e cristalizada  nas tradições populares, de que quem não olhe nos olhos não mereça confiança?
Enquanto o povo nega a quem não olhe nos olhos o direito ‘a confiança e honestidade, nas ciências psiquiátricas/psicanalíticas, este preconceito é expresso de outra forma, não menos cruel , mas igualmente fria e insensível: elas tratam o “não olhar nos olhos”  como se este fosse um sintoma, uma limitação, uma grave barreira para o desenvolvimento, a maturidade, e, principalmente, para a sociabilidade.
Será o gesto de não olhar nos olhos tão importante assim? Será a relação interpessoal dentro da sociedade tão baseada assim em algo tão prosaico e sem importância?Será que a sociabilidade e o sucesso dos indivíduos depende tanto assim de olhar nos olhos, se tal gensto é tão traiçoeiro e já provou ao longo dos séculos que não funciona, que não é um indicador confiável de caráter e confiança como a tradição alega? Não seria tal desconfiança uma falácia hipócrita?  
Aqui então cabe falar um pouco das razões psicológicas de Autistas não olharem nos olhos:
Por milênios a humanidade tem usado o olhar nos olhos como uma ferramenta de dominação, autoridade, severidade, de autoritarismo. As pessoas que dominam as outras pelo olhar são admiradas e cultuadas pela sociedade- eis que pois, apesar de toda a crítica, as sociedades adoram uma ditadurazinha e um autoritarismo, embora isto não possa ser generalizado, ou não teríamos os contestadores,os revolucionários, os que lutam pelo Estado de Direito, Constituição e Democracia- E as que são dominadas pelo olhar e oprimidas por ele, ninguém fala, nem admira, são taxadas de doentes, fracas, inconfiáveis, traiçoeiras, quando, no geral dos casos, isto nem um pouco corresponde ‘a verdade, ‘a realidade. Puro preconceito.
O olhar nos olhos também é visto pela sociedade como uma maneira de tentar se impor o respeito e de enfrentar as pessoas, já que muitas vezes as relações humanas são vistas não como relacionamentos democráticos, civilizados, horizontais, mas como a mais vertical das competições.
As pessoas que se olham nos olhos estariam se medindo uma á outra e tentando estabelecer o lado da dominância para dizer quem manda e quem obedece., e quem não olha nos olhos não estabelece esta relação de dominância, já está dominado, é inferior, e covarde, por que foge do enfrentamento e das medições de forças. E isto é uma falácia das mais desonestas, uma sociedade que viva de inter-dominâncias é uma sociedade doente!
E na maioria esmagadora das vezes, não olhar nos olhos não tem nada a ver com covardia ou potencial de traição, muito menos com falta de caráter. Se é preciso se auto-afirmar perante o outro e perante a sociedade para conquistar seu respeito, que deveria ser natural e  não condicional, então vivemos numa sociedade não apenas doente, mas imatura e infantilizada, e aí poderemos considerar que não olhar nos olhos seja uma atitude madura  e adulta, mais consciente e civilizada, posto que mais sensível.
Mas, perguntariam certamente vocês, por que raios Autistas não olham nos olhos?
Talvez a maior razão seja esta que acabou de ser citada:uma questão de sensibilidade e poética.
O Autista é um ser contemplativo por natureza, observador de si mesmo e do mundo que o cerca, em que o olhar também o leva para outros mundos, outras dimensões que só ele vê e vive quando quer.Assim, ele recusa esta exigência irracional de medir forças, competir pelos olhos, estabelecer relações de dominância e submissão.
Como sabemos, o Autista é um insubmisso por natureza, seu senso de liberdade e autossuficiência emocional estão acima dos relacionamentos .Para o autista, as relações interpessoais não são as prioridades e sim, sua liberdade e autonomia pessoal para exercer sua contemplação.Por sua própria natureza, ele odeia  a exigência de relações de dominância e competição na sociedade, pois o Autista não vive para competir, vive para si mesmo, o Eu focado no Eu.
Eis que pois, então, o Autista pode não estar olhando nos olhos como um ato de rebeldia ao Sistema. Ou também, como Autistas são muito diferentes entre si, por evitar olhares severos e autoritários, que eles temem e odeiam.
Mas muita gente pode dizer: mas eu não “fuzilo” o Autista com meu olhar, eu procuro transmitir amor, carinho, meiguice, eu não entendo...
Aí é que está a questão. Não importa a sua intenção ou como você interpreta o que você faz, mas importa mesmo para o Autista é a interpretação do que ele entende do que você faz. Para ele, a interpretação dele é que importa, por mais que você jure de pés juntos que a interpretação dele esteja equivocada, que não tenha nada a ver. Você pode pensar o que quiser, mas como ele vê, como ele pensa e como ele interpreta é o que realmente importa para ele e ele vai agir e interagir baseado na interpretação dele, não na sua. Ele tem o senso próprio dele, muitas vezes ele nem usa o senso comum, a lógica é outra.
Assim, é bastante comum, especialmente nos Autistas que tem famílias as quais o Autista interpreta como sendo severas e autoritárias(mesmo que elas mesmas achem que não sejam), evitar o olhar nos olhos-muitas vezes eles tem traumas psicológicos inclusive de infância por conta de experiências assustadoras e opressoras com olhares nos olhos-como mecanismo de autoproteção contra novos traumas e más experiências de vida que influenciem de modo maligno suas sensibilidades, destruam seus sonhos, etc.
É verdade que muitos Autistas com o tempo acabam olhando nos olhos, mas ,sinceramente? A Sociedade vê isto como uma vitória, uma superação, eu, diferentemente desta interpretação, vejo como uma simples adaptação a um ambiente hostil, abrindo mão de parte de seu jeito de ser para ser aceito-algo injusto, não acham?
Então, não penso que devamos exigir de nossos filhos que nos olhem nos olhos, eles tem suas razões para isto e deveríamos respeitá-las.Se olharem um dia, ok, mas se não quiserem, não devemos pressionar, ficar estimulando (muitas vezes os autistas interpretam os estímulos como sendo uma forma de pressão disfarçada), e sim, compreender e respeitar, ao invés de encarar isto como se fosse desconfiança, imaturidade, sintoma, doença, deficiência, limitação.
Mesmo por que, depois de muitos anos de ter o não olhar nos olhos como hábito arraigado, é difícil a gente mudar isto por dentro e fazer esta adaptação, este modelamento ao que a sociedade caprichosamente (no pior sentido)quer.
Para compreender e incluir, devemos crescer. E para crescer, muitas vezes precisamos nos libertar de velhas tradições arraigadas e malignas, como o preconceito contra não olhar nos olhos!

Cristiano Camargo
                                                    

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