Autismo: Porque a repetição de
movimentos faz bem?
Outro dia eu estava assistindo a um vídeo de um
teste de carros, onde a música que embalava o teste me atraiu, então, com um
aplicativo próprio, extraí a música do vídeo e a baixei para meu computador. Era
uma música instrumental, com solos de guitarra, cuja melodia, simples e de
poucos acordes, era extremamente repetitiva, mas ainda assim me pareceu
extremamente agradável, então, comecei mais tarde a refletir sobre ela do por
que ela me dava tanto prazer em escutar.
Esta reflexão me remeteu a uma velha questão,
cujas respostas, ao longo do tempo tenho elaborado e re-elaborado: Por que
Autistas gostam tanto de movimentos repetitivos? E não apenas movimentos
corporais deles, mas adoram de paixão tudo o que se repete infinitamente!
Perguntada, uma criança autista uma vez respondeu,
em sua simplicidade infantil
-Por que gosto !
Mas...por quê gosta?
E por que este gosto e este prazer se estendem até a vida adulta?
Por que está
profundamente enraizado não somente em nós Autistas, mas em todas as pessoas!
Quando um bebê
chora, qual a primeira reação de uma mãe?
O embala. E como é
este embalo?
Com movimentos
repetitivos, as mesmas falas, doces, carinhosas, macias...previsíveis!
É, previsíveis ! A
previsibilidade é a chave da questão !
A repetição acalma,
tranquiliza e devolve a nosso mundo o
conforto e bem estar da previsibilidade , num mundo real imprevisível e
intempestivo, é um refúgio contra o Inesperado, uma auto- defesa contra o caos temerário da
imprevisibilidade!
Crianças
não-autistas com o tempo vão absorvendo a cultura normotípica de que repetições
sejam chatas, maçantes, inatrativas.
Autistas, porém, não
compartilham disto. E não o fazem por que, em princípio, ao contrário das
crianças não-Autistas, em que seu Mundo Interno de Fantasias é muito
simplificado e só dura durante a infância, nos Autistas, o Mundo Interno de
Fantasias é mantido intacto por toda a Vida, é complexo, sofisticado, e vai se
transformando ao longo da vida, de um Mundo singelo e ingênuo infantil, para um
Mundo complexo e cheio de meta-metáforas, meta-cognições, meta-personagens
(personagens-espelho análogos aos reais , mas construídos com interpretação
própria da realidade), e até meta-realidades e muita contemplação, adulto.
Assim, Autistas,
acostumados e bem confortados em sua conveniente e benévola previsibilidade de
seus Mundos e seus personagens, logo aprendem sozinhos a rejeitarem a
instrução-padrão normotípica de que a repetição seja monótona, chata, para
passar a ver na repetição um prazer, um conforto, a agradabilidade e
benevolência tranquilizante da
previsibilidade contida em toda repetição.
Ora, se algo se
repete, sabemos exatamente tudo o que vai acontecer, e isto nos tranquiliza: não
haverá nenhum susto, nenhum perigo, nenhuma mudança repentina, nada de
inesperado para o qual tenhamos de reagir de improviso de repente, algo que
detestamos ter de fazer (embora até o façamos muito bem, somos muito bons em
nos virar sozinhos, ao contrário do que a mentalidade superprotetora pensa)
.Esta previsibilidade nos relaxa, nos acalma e nos embala, além de preparam o
terreno para que possamos voltar mais uma vez para os prazeres inenarráveis do
Mundo Interno de Fantasia. E lá, interpretarmos e refletirmos sobre a
Realidade, buscando novas e criativas soluções, pois nós somos pessoas que amam
agir planejadamente, com antecedência, analisar primeiro a situação, construir
um plano e só então agir, buscando as melhores e mais lógicas alternativas
(segundo nossas próprias interpretações, não o senso comum normotípico).
Então, quando um
Autista está fazendo movimentos e sons repetitivos, ele está se defendendo, se
acalmando, tranquilizando-se a si mesmo, como uma mãe que embala sua criança; como
não são, em muitos casos , mais crianças, embalam-se a si mesmos, mas em muitos
casos, acredito que remeta ‘a memória psíquica do embalo materno, o Autista
assumindo o papel de mãe de si mesmo!
E isto não é algo
prejudicial, nem infantilizador, e o Autista não deixa de ser maduro, nem deixa
de amadurecer com isto: é algo benéfico, que faz bem,acalma, tranquiliza e o
leva a buscar em si mesmo as soluções para o que sente, vê e intempreta.
Então, vamos deixa-los
repetir o quanto quiserem, inclusive isto evitará surtos e episódios agressivos
desnecessários, afinal, vocês já devem ter notado que tentar sistematicamente interrompê-
los é pior e pode levar a surtos, e que depois dos movimentos e sons
repetitivos eles sempre ficam mais calmos, tranquilos e felizes.
E ‘a medida que
forem se sentindo mais seguros de si e mais a vontade, dominando mais a
realidade, esta frequência diminuirá muito , e naturalmente.
Então, meus caros e
minhas caras:
Repeti-vos uns aos
outros !
Cristiano Camargo
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