Alter Ego é um termo cunhado por Sigmund Freud,
que significa “o outro eu” . Comumentemente Se trata da transferência ou
imitação da personalidade de uma pessoa muito querida ou admirada pela pessoa,
ou a presença de uma segunda personalidade dentro da ente da mesma pessoa.
Há quem ache que isto se aplique ao chamado pela
Psiquiatria de “Transtorno Dissociativo da Identidade” (TID)
Porém, no caso do Autismo as coisas são bem
diferentes. Ao contrário do que ocorre na “TID”, não existe no autismo uma
influência negativa por sobre o funcionamento da memória, e ao contrário do “Alter Ego” no sentido
psiquiátrico, não existe a fragmentação da identidade, nem a multiplicação ou
adição de novas personalidades.
Bom, talvez vocês ainda não estejam entendendo
nada, nem onde quero chegar, então vou explicar com mais vagar:
Já notaram o quanto é comum Autistas expressarem,
ao se referirem a si mesmos, no plural, usando “nós” ou “a gente” ao invés de
“eu” em muitas ocasiões?
A quem este “nós” ou “a gente” se referem?
Pois é, isto na verdade é a manifestação externa
de algo que ocorre dentro da Mente Autista.
Imagine que você converse em voz alta com a sua
imagem que você vê no espelho. Muito comumente, em diversas ocasiões, o
Autista, em pensamento ,especialmente quando está em dúvidas de como agir, ou
quer uma segunda opinião, mas está sozinho no momento, ou não tem por perto
alguém que ele interprete como confiável, seguro, previsível, para conversar,
ele projeta para fora de sua imagem de si mesmo uma segunda imagem de si mesmo,
que nem sempre é uma cópia idêntica de si mesmo: ‘as vezes pode ser aquele que ele
imagina que ele é, ‘as vezes pode ser aquele que ele gostaria de ser, ou ‘as
vezes até, aquele que ele não gostaria de ser, e ainda em outras vezes, pode
ser uma idéia que ele tem de como os neurotípicos são (para testar possíveis
reações e tentar prever as consequências que uma ação dele poderia ter se ele a
cumprir, ajudando-o a adotar uma decisão a tomar), que pode ter maior ou menor
grau de realismo em relação ao neurotípico que ele observa.
Este “companheiro” imaginário, no entanto não
afeta sua personalidade, nem o faz agir como se fosse outra pessoa, e ao
contrário do que acontece na esquizofrenia, não é uma voz misteriosa que parece
sussurrar em seu ouvido, nem uma voz cruel e ditatorial que o manda fazer
alguma coisa de ruim para si mesmo ou para os outros.
É semelhante a um amigo, um conselheiro, com o
qual dialoga internamente e se busca chegar a um consenso. Ou seja, por mais
solitário que ‘as vezes um Autista possa parecer, ele nunca está sozinho na
vida. Este diálogo com si mesmo em todas as suas versões possibilita ao Autista
conhecer-se a si mesmo com grande profundidade e se auto analisar, rever
decisões, mudar de idéia, tomar decisões difíceis e sair de situações
complicadas. É algo muito benéfico, e muitas vezes, o nível de empatia entre os
múltiplos Eus do Autista são tão grandes que viram grandes e inseparáveis
companheiros, indispensáveis. Muitas vezes é este Alter Auto (termo que usarei
daqui para a frente para descrever estes diferentes Eus do Autista e que
significa “O outro Autista”) quem o faz compreender e perdoar erros e
incompreensões do mau lidar de neurotípicos com eles. Também é o Alter Auto o
responsável pelo Autista reconhecer seus próprios erros e pedir desculpas,
assim como acalmá-lo após algum surto. É
com o Alter Auto que o Autista vai dividir internamente sua alegria por suas
conquistas , e receber consolos por derrotas, além de promover sua auto
motivação reforçando sua determinação.
Então, não estranhem mais se seu autista um dia
responder “-Nós gostaríamos...”, “A gente pensa que...”, ele está apenas
expressando o que ele conversou previamente com seu ou seus Alter Autos(s).
Inclusive, em situações de distração, em que ele
acha que está sozinho e não tem ninguém olhando, nem ouvindo, ele pode
conversar com seu Alter Auto em voz alta, o que, por puro preconceito, pode ser
muito mal interpretado.
Há uma forte discriminação contra “pessoas que
falam sozinhas”, que são taxadas como se fossem loucas, por que a Sociedade
pressupõe que só exista diálogo entre duas pessoas diferentes.
Preconceito totalmente infundado, por que ,como
vimos hoje, dialogar consigo mesmo na pessoa de seu Alter Auto, é salutar,
saudável e indispensável para manter a boa sanidade psíquica do Autista,
inclusive por que em muitos casos, ele funciona como se fosse um psicólogo
interno do Autista.
O Alter Auto é sempre que, enquanto o Autista
está em seu Mundo Interno de Fantasia, está de olho no que acontece na
Realidade, no comportamento das outras pessoas, para informar ao Autista depois
e poderem conversar para ele melhor compreender a Realidade e saber como agir e
reagir, pois embora seja imaginário, está vinte e quatro horas por dia ligado
na Realidade, em eterna vigilância. Pode-se mesmo dizer que ele seja o pleno
responsável pelo relacionamento e aceitação com e da Realidade pelo Autista. Ou
seja, o Alter Auto é muito mais do que o simples “amigo imaginário” que tanto
autistas como neurotípicos tem: embora possa parecer um simples personagem, é
um verdadeiro componente da Mente Autista, e a qualidade do relacionamento do
Autista com seu Alter Auto (que nem sempre é assim tão boa, cada caso é um
caso, e alguns até o rejeitam e tentam se esquecer que ele exista) se reflete
diretamente em seu relacionamento com a Realidade, se ele se dá bem ou não no
mundo real.
Cristiano Camargo
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