Para que possamos viver, e interagir com o Mundo,
e, mais ainda, para nos relacionarmos com outras pessoas e vivermos em
Sociedade, é primordial que sejamos capazes de interpretar o Mundo, a Vida, o
que vemos, e , principalmente, o que as pessoas falam. A interpretação é
essencial para ambas as partes de uma diálogo, em que um fala, e o outro
precisa interpretar o que outro disse, concordar, discordar, dar uma opinião,
descrever como se sente ou como vê o mundo. Isto é ainda mais crítico se uma
das partes estiver passando por situações difíceis, sofridas . Uma das grandes
dificuldades, talvez a maior, em se estabelecer um diálogo e uma convivência
entre uma pessoa Autista e uma não-Autista é justamente a questão da
Interpretação do que a outra pessoa falou. Uma das melhores maneiras de se
preparar uma pessoa, seja ela Autista ou não, a dominar sua capacidade de
interpretar os argumentos e falas da outra pessoa e responder, é o ensino da interpretação de textos,
especialmente os que contém diálogos .
No entanto, as pessoas não-Autistas há muito
herdaram de seus ancestrais, desde as mais remotas eras, um uso bastante peculiar de usar a Teoria da Mente e a
Empatia: usando do chamado Bom Senso, ou Senso Comum, em que certos códigos
implícitos de conduta e raciocínio são ensinados e a pessoa aprende a se
colocar no lugar da outra, e procura demonstrar piedade ou solidadariedade para
com a pessoa que está sofrendo, alegria e satisfação com quem está feliz, ou
compartilhando raivas e ódios, sempre expressando um sentimento semelhante ao
do interlocutor para agradá-lo, ou, algumas vezes, pelo apoio sincero, é a
Empatia, capacidade de se tornar simpático aos olhos do outro.De certa forma,
as pessoas na Sociedade são adestradas a seguir estas regras não escritas em nome
do convívio social e muitas vezes elas se anulam ou deixam de expressarem o que
realmente estão sentindo ou deixam de falar o que realmente gostariam para não
trazerem consequências desagradáveis para si mesmas, e com o tempo, tal
interpretação se tornou um procedimento padrão. A mesma coisa é exigida nas
salas de aula , na hora da interpretação de textos, e esta forma padrão é
colocada como a única correta e consensual.
Mas a interpretação de textos seria mesmo uma só
correta e qualquer interpretação desviante ou diferente seria errada?
A questão advém do fato de Autistas usualmente
interpretarem tanto textos como as falas das pessoas de uma maneira totalmente
diferente e , igualmente, as pessoas não-autistas, usando suas técnicas
convencionais, padronizadas de
interpretação, acabam por interpretar o que o Autista fala de maneira muitas vezes completamente equivoca, o que
dificulta sobremaneira os diálogos deles com os Autistas.
Ao se ensinar estas técnicas convencionais e por
estes parâmetros padronizados analisando as respostas dos Autistas na fala e na
escrita na verdade, querendo direcionar a interpretação de texto dos
Autistas para a ideologia não-Autista, fazendo com que eles
fossem forçado a ver o texto ou a fala e
ter sempre as mesmas opiniões que os Não-Autistas? Estariam os Não-Autistas
agindo de forma ditatorial? Não seria a
educação, em súmula, em essência, a imposição de conhecimentos e formas de
chegar ao conhecimento padronizadas? Seria a Educação uma forma de
condicionamento, amestramento, impositiva e ditatorial por natureza? Afinal,
ensina-se como verdade absoluta e indiscutível os conhecimentos já consagrados
por centenas de estudiosos e cientistas, através dos séculos, que ninguém se
atreve a contestar por que já incorporados ao Senso Comum e ao Bom Senso , e os
Professores já estão tão acostumados a ensinar todo dia, todo ano, para todas
as classes sempre os mesmos repetitivos e batidos conhecimentos, e, de certa
forma ele se restringe e restringe seus alunos, ao restringir a uma visão
estreita e compactada de apenas certos conhecimentos selecionados, em uma
prática que não estimula o senso crítico nem a visão crítica da sociedade e da
realidade. Então não estariam os Autistas no fundo corretos em mostrar uma
interpretação diferente e em serem arredios em aceitar a maneira fixa e convencional de interpretar os textos
como querem muitos professores? Talvez isto não seja um defeito, afinal, e sim
uma qualidade. Talvez se possa chegar ‘a conclusão de que se ficou tempo demais
prestando atenção em tentar fazer o Autista interpretar como o Professor quer,
e em achar que tudo o que o Autista disser seriam erros, sem realmente prestar
atenção no que ele diz e como ele realmente vê o texto, e que, de repente, ali
naquelas interpretações dele, pode estar a chave para descobrir o funcionamento
da mente Autista, do pensamento Autista, do modo Autista de ver a realidade.
Talvez então, venha a ser necessário mudar de
método e prestar atenção e valorizar as interpretações do Autista, e tentar fazer
ele justificar logicamente suas interpretações.
No entanto, interpretar textos é uma coisa,
interpretar pessoas reais é algo muito diferente, e mais complexo.
Dentro do raciocínio da ideologia Não-Autista,
convencional, padronizada, se o Autista não usa o Senso Comum e Lógico para
interpretar as pessoas, ele terá sérios problemas de relacionamentos com as
pessoas, por que as pessoas esperam das outras uma interpretação neurotípica
delas mesmas, baseada no bom senso, no senso comum, que nem percebem, isto é
para elas simplesmente lógico e natural, um hábito arraigado. Ninguém esperaria
a interpretação autística delas, pois não foi a para a qual foram condicionadas
a vida toda para receber, por isto pode parecer para elas totalmente
alienígena. Mas teriam os Professores direito de condicionar o Autista a esta
interpretação padrão? Será que só esta interpretação padrão é a correta? Não
seria essa cheia de vícios, e não erraria ela muitas vezes? Afinal as pessoas
não são padronizadas, são diferentes entre si. Mas as pessoas então é que
teriam de aprender a entender esta nova interpretação autística delas? Mas como
se faria isto, se elas já estavam tão profundamente condicionadas?
Para tentarmos responder esta questão
fundamental, não só para a educação dos Autistas, mas para um maior sucesso
deles nos relacionamentos em Sociedade e viabilizar sua Inclusão, é
preciso entender como funciona a
Interpretação Autística da Realidade, e como funciona a Teoria da Mente no
âmbito da Mente Autista.
Assim, uma metáfora se faz necessária. Vamos
pegar como gancho um dos assuntos mais populares na preferência dos Autistas:
Dinossauros.
Como sabemos, muitos Autistas amam dinossauros e
muitos deles que já aprenderam a ler, leem livros científicos de Paleontologia
para se informar sobre estes animais pré-históricos e depois de ler, exibem um
conhecimento invejável do assunto de sua predileção.
Mas quando o livro é
de literatura , eles podem ter grandes dificuldades. Por quê?
A
linguagem científica é precisa, concisa, lógica, fria, racional, sem nenhum
fator emocional a interpretar. E é aí que começavam os erros de interpretação
de textos literários, pois Autista acostumou-se
a interpretar apenas dados frios e
exatos, precisos, previsíveis e a estender isto ‘a interpretação de seus
próprios sentimentos, e a levar isto para a interpretação dos sentimentos dos outros,
uma interpretação mais lógica , racional. Não que ele não interpretasse os dos
outros, não o soubesse fazê-lo, isto ele faz bem-quando quer. Mas não do jeito
convencional, do jeito todo dele, particular.
A questão é a de que muitas vezes ele se coloca
no lugar das pessoas reais, mas não das
reais, e sim das idealizadas por ele, as
que ele idealizou no Mundo Interno de Fantasia dele, prevendo um comportamento
e sentimentos que ele tinha colocado nas pessoas reais que ele idealizava na
cabeça e não como elas eram realmente. E aí a chance de errar é grande. Por que
ele imagina a personagem do livro, faz
sua interpretação dela, que após passar pelo inconsciente dele ganha uma
personalidade totalmente diferente da personagem descrita no livro, pois a
personagem agora é como ele quer que ela seja, não como o autor do livro diz que ela era. Ele se apropria das personagens e
elas deixam de ser, na sua imaginação, não como o autor do livro imaginou, mas
como o Autista quer que sejam.
Ocorre que, para cada pessoa com a qual o Autista
convive, ele cria em seu Mundo Interno de Fantasia, um personagem equivalente,
com o mesmo nome, mas com a personalidade alterada pelo próprio Autista, para
se comportar do jeito que o Autista gostaria, tornando-se assim, totalmente
previsível, portanto , fonte de segurança para o próprio Autista.
E é esta imagem idealizada da pessoa real que o
Autista Imaturo irá utilizar para se colocar no lugar das outras pessoas. E
também é esta pessoa idealizada que ele usará para planejar diálogos e ações,
buscando nas pessoas uma previsibilidade que as pessoas não tem.
Muitas vezes as pessoas podem pensar que o
Autista não tenha sentimentos ou seja frio por que reagiu de uma maneira
não-usual diante, por exemplo, de uma notícia de falecimento de algum parente,
de uma notícia de internação numa UTI,
etc.
Na verdade, não expressar os sentimentos na hora não
quer dizer que não tenha sentimentos. Os Autistas os tem e costumam ser muito
sensíveis inclusive. Mas então, por que não chorar na hora, passar palavras de
consolo, expressar preocupação?
Cá dentre meus artigos, já expliquei algumas
vezes, que em muitos casos, “a ficha demora a cair”. Então, ao ouvir a notícia,
o Autista tem sim noção do que aconteceu e do que significa, mas isto vai
inicialmente para o fundo de seu Inconsciente. No momento, a curiosidade fala
mais alto, talvez mesmo como um mecanismo de auto proteção/auto preservação, e
ou ele demonstrará desinteresse, como se não fosse nada de mais, ou ele fará
perguntas que as pessoas considerarão desconcertante e inadequadas para o
clima. E pode querer saber como tudo aconteceu e imaginar a cena em sua
imaginação, que poderá inclusive se ocupar de introduzir novos elementos e
fazer conjectura de como poderia ter sido se acontecesse isto ou aquilo.Só mais
tarde ele lembrará da pessoa e sentirá falta dela e aí sim, se conscientizar do
fato e se condoer, sentir.
Com o avanço do Processo de Amadurecimento/Desenvolvimento
Autista, porém, o Autista vai incorporando elementos Do uso mais tradicional da
Teoria da Mente e de interpretações mais tradicionais também, porém, mantendo
sempre uma visão Autística de buscar nos fatos, detalhes que passaram
desapercebidos das outras pessoas e buscar múltiplas abordagens/interpretações
possíveis.
Porém, as dificuldades de relacionamentos entre
Não Autistas e Autistas devido ‘as diferentes maneiras de interpretar textos e
falas, não se deve apenas ‘a maneira unusual do Autista de fazer esta
interpretação: É muito comum, por exemplo, Não-Autistas interpretarem uma fala
das outras pessoas, sejam Autistas ou não, levando-a para o lado pessoal e
recebendo-a como ofensa, quando muitas vezes não foi a intenção da outra pessoa.
Ou ainda, julgar pelas aparências, pela superficialidade, não observar todos os
detalhes, mas apenas os que lhe convém, onde possam buscar um potencial
ofensivo contra si. Isto leva a pessoa a erros de julgamento e a reações
hostis, e isto é mais comum de acontecer quando esta pessoa fala com um
Autista.
E por quê? Muitas vezes, é pela grande
sinceridade e franqueza Autistas (que ao ver dele, o correspondente da pessoa
idealizada na mente dele não se ofenderia por isto), outras vezes pelo rico
detalhismo das descrições Autistas, que pode passar uma impressão de arrogância
ou esmo falta de sentimentos para a pessoa não –Autista).
A compreensão e aceitação da Interpretação
Autística de fatos e textos, e a valorização desta ,no contexto educacional e
social, admitindo mais de uma interpretação como correta, pode levar a um
melhor relacionamento entre Autistas e Não-Autistas, promover uma melhor
sociabilização e, consequentemente, Inclusão, e a uma Educação para Autistas
mais efetiva e eficiente, facilitando o aprendizado tanto do aluno como do
professor.
Cristiano Camargo
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