Existe uma profunda relação entre minhas obras de
ficção científicas e as brincadeiras que eu fazia quando criança.
As naves espaciais descritas no meu romance
"Vanglorius", por exemplo,foram todas inspiradas em abajures,
lanternas, canetas,fitas k7,prendedores de roupas,tesouras ,escovas de cabelo
de dentes,embalagens de shampoos, garrafas de refrigerantes,embalagens
plásticas em geral,perfuradores de papel,garrafas térmicas,etc, que eram todos
objetos que me serviam de brinquedos para eu viver minhas estórias e
brincadeiras em meu Mundo Interno de Fantasia,quando eu era criança.Fios e
extensões elétricas se tornavam serpentes espaciais
gigantes,caixas,armários,criados-mudos,cinzeiros de cabeça para
baixo,televisores,rádios,aparelhos de som, se tornavam prédios
monstruosos;antenas internas de televisão, destas que ficavam nos próprios
aparelhos e eram telescópicas, viravam canhões laser imensos,cadeiras e mesas
viravam montanhas monumentais em planetas exóticos,io-iôs era elevadores,e as
próprias mãos, dinossauros.Não que eu não tivesse ou não brincasse com
brinquedos, mas eu muitas vezes preferia os objetos do dia a dia para brincar
do que os brinquedos em si.
O comum de se ver é crianças utilizando apenas
brinquedos para brincar, pouco ou nada se interessando pelos objetos normais do
dia a dia e pela mobília da casa como brinquedos, e não costumam
corriqueiramente imaginar objetos como naves, carros,animais, monstros,etc.Nem
costumam brincar com as próprias mãos como se cada uma delas fosse um
personagem, interagindo entre si,interpretando teatrinhos, não são coisas que
se vê uma criança neurotípica fazer todos os dias.
Eu também gostava de usar folhas grandes de
árvores como animais ou monstros voadores, algo também incomum.Me parece que,
de certa forma, a criança asperger exercita e expande para objetos da realidade
seu Mundo Interior de Fantasia, coisa que crianças neurotípicas não costumam
fazer, porque exercitam muito menos seu poder de abstração.Eis que pois o senso
, o conceito de objeto abstrato, metafórico, é muito mais desenvolvido e
treinado na criança asperger do que na neurotípica, que fica de certa forma
limitada a seus brinquedos, com suas brincadeiras limitadas a conceitos de
regras aplicáveis na Realidade,buscando
a similaridade com o Real, o senso comum, a busca pelo plausível,
tentando não fugir muito do que realmente poderia acontecer no mundo real, e as
regras utilizadas nas brincadeiras tentam imitar ou tem como exemplo, base, as
regras sociais universais.Já o Mundo Interno de Fantasia da criança Asperger é
muito diferente.Aqui não há limites, e não há compromisso com a realidade, o
plausível, o concreto,nem com regras sociais.Não há limites, tudo ,por mais
absurdo que seja, é possível, e as regras são a vontade da criança, que mudam
constantemente de acordo com suas vontades e interesses, elas tem controle
total sobre um mundo muito mais vasto e complexo, e tem uma necessidade
imperiosa de viver este mundo não apenas na sua mente, mas extrapolar e vivê-la
na manipulação de objetos e móveis da realidade, transformando realidade em
fantasia!
De certa forma, talvez haja aí um componente emocional de "vencer a realidade com a
fantasia",ou uma certa "vingança da fantasia sobre a realidade",
no manipular dos objetos, pois está-se usando a realidade como se fosse um
brinquedo, manipulando-a onde ela é mais indefesa, ou seja, nos objetos
inanimados, que não tem como "reagir".Mas devo enfatizar, no entanto,
que tudo isto eu só fazia escondido dos pais, quando não havia ninguém olhando,
pois caso alguém me observasse, ficava imediatamente com vergonha e parava.
Acredito que a preferência pela manipulação de
objetos de uso doméstico como brinquedos ao invés dos brinquedos própriamente
ditos seja um comportamento típico em crianças aspies, mas gostaria por favor que os demais aspies aqui dessem
seus depoimentos de como e com o que brincavam quando eram crianças e que os
pais de aspies e autistas também dessem seus depoimentos sobre as brincadeiras
de seus filhos, se quando crianças eles davam preferência a outros objetos para
brincar do que com os brinquedos em si ou não.
Cristiano Camargo
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