sábado, 2 de maio de 2020

Da Naturalização do Estigma Social contra o Autismo

Sem ter intenção de ofender, mas ofendendo- Da Naturalização do Estigma Social contra o Autismo na Sociedade


Hoje vou falar sobre Responsabilidade Social.
Escrever ou compartilhar um artigo sobre Autismo nas redes sociais é um ato social, que envolve responsabilidade.
A responsabilidade Social é, em essência, as consequências que podem resultar de seus atos, controláveis ou não, em atos públicos, voltados para o público. E escrever é um ato social, um ato público, pois é dirigido ao público. E que vai influenciar, de maneira mais , ou menos, contundente, a maneira como o público vai ver o assunto sobre o qual se escreve.
Quando se escreve sobre Autismo nas redes sociais, porém, esta responsabilidade social aumenta muito. Idem quandose compartilha , para o público, o artigo de outrem, especialmente se não se colocam antes as suas ressalvas (algo que raramente acontece).
E por quê? Porque ao se escrever (ou compartilhar) sobre Autismo nas redes sociais, não se está apenas influenciando um público contra ou a favor de um viés, uma visão do Autismo, nem se está só mexendo com famílias inteiras ou com outros Autistas- um fator que pouquíssimas pessoas pensam na hora de escrever um ou compartilhar um artigo sobre Autismo nas redes sociais, é que está se mexendo com a Imagem Pública do Autismo e dos próprios Autistas também.
Então entra aí a questão da Responsabilidade Social ao se escrever ou compartilhar sobre Autismo nas redes sociais. E por quê?
Porque ao se escrever ou compartilhar sobre Autismo nas redes sociais, se está mexendo com o como o público que vai ler este artigo vai ver o Autismo e os Autistas. Vai mexer no com quais olhos o público vai ver o Autismo e os Autistas.
Então, pode-se estar propagando e incentivando ódio, preconceito, discriminação contra o Autismo e/ou os Autistas, ou ainda pode-se estar propagando e veiculando Estigma Social contra o Autismo e/ou os Autistas. Sem intenção, na maioria das vezes, e sem perceber.
Como?
O linguajar de práxis, tradicional da esmagadora maioria dos artigos sobre Autismo ( o conceito de “Espectro do Autismo”, chamar o Autismo de transtorno, disfunção, desordem, perturbação, condição, síndrome (todos eufemismos para doença), dar a entender que Autistas sejam incapazes, não tenham potencial nem capacidade para nada, dizer “com Autismo”, ou dar a entender que o Autista tenha qualidades “apesar do Autismo”, dar a entender que o que se deseja para os Autistas é que tenham uma “inclusão tutelada” sob controle e vigilância, criticar os comportamentos autísticos, dando a entender como se fossem doentios, errados, inferiores e que precisariam de “intervenção clínica” ou métodos clínicos, odiar o Autismo, dizer que ama o filho mas não ama o Autismo dele, etc, etc) é patologizante ( tenta mostrar o Autismo como se ele fosse uma doença), espectrista ( encaixa tudo dentro do conceito ultrapassado, injusto e delirante de de “Espectro do Autismo”), reducionista (reduz o Autismo e o Autista a um simples diagnóstico, sendo que ambos tem uma dimensão muito maior do que isto), infantilizadora ( achar que Autismo só se aplique a crianças, ou achar que mesmo Autistas adultos sejam eternas crianças assexuadas e inocentes, despreparadas para a vida “anjos azuis” ), e Estgmatizante (por que reúne todas as “características “ negativas atribuídas ao Autismo em um só pacote que forma um Estigma Social contra o Autismo e contra os Autistas, levando as pessoas a acreditar em esterótipos convencionados e não na realidade, alienando as pessoas). Desta forma, este linguajar e este viés patologizante da visão tradicional do Autismo faz com que o público veja no Autismo, um malefício, e aos Autistas como se fossem coitadinhos doentes a serem superprotegidos (o que é outra forma de discriminar, aliás).
E tudo isto é falso, enganador, desonesto, alienante , errado !
Aí as pessoas escrevem com o jargão e o viés (visão) patologizante, ou compartilham textos idem, muitas vezes na maior inocência, na maior ingenuidade, no maior desconhecimento, sem intenção de ofender- ofendendo !
Prejudicando a Imagem Pública do Autismo, e destruindo o tão esforçado trabalho de nós ativistas Autistas pelos direitos dos Autistas, de construirmos, com os maiores esforços e sacrifícios, uma Imagem Pública Positiva do Autismo. E para quê fazermos isto? Para esconder, omitir, enganar? Não !Para combater o preconceito, a discriminação e o Estigma Social contra nós !
E quando estas pessoas publicam ou compartilham textos patologizantes, se surpreendem e se espantam com as críticas dos Autistas e não entendem o que fizeram de errado, pq para esta gente , fizeram “o certo”. Escreveram o que “todo mundo escreve e/ou compartilha”.
Pois então, o problema da sociedade está justo nisto: achar inocentemente que terem visões patologizantes e estigmatizantes não ofendam, não conseguirem ver ofensa nisto por que estão muito acostumados( as) a escrever nesta linguagem e não receberem críticas nunca, por que o público, já acostumado a isto, e geralmente nao-autista, não criticam, se identificam. E o se identificar com esta linguagem a ponto de naturaliza-la e interiorizá-la dentro de suas mentes é o mais grave, aí a discriminação se enraíza e se materializa. Fica parecendo " normal" as pessoas chamarem os Autistas de doentes, de transtorno, etc, fica tão comum, que as pessoas passam a não ver nada de mais e acharem que não ofenderam- e assim escreverem desta forma sem intenção de ofender, mas sem saber que ofendem -mas na verdade ofendem.E não entendem o que fizeram de errado, por que para elas, é "normal", "natural", comum, não conseguem ver um erro ou nada de mais nisto. Por quê? Por que esta visão do Autismo tão patologizante já se "normalizou", já se interiorizou, já se cristalizou e se solidificou na mente delas como dogmas , tabus, a não serem desafiados, e eventuais desafios a esta Ditadura da Opinião Unica serem encaradas como verdadeiras heresias !
E a coisa é tão grave, que diversos colegas Ativistas Autistas pelos Direitos dos Autistas já internalizaram este linguajar e este viés dentro deles e os naturalizaram, “normalizaram”, simplesmente pela ambição e ego de não desagradar seu público, não perderem popularidade, não prejudicarem suas carreiras.
E com isto estão sendo Socialmente Irresponsáveis (como os não-autistas que fazem a mesma coisa) e prejudicando a si mesmos(as) e seu público, enganando a si mesmos(as) e seu público, e prejudicando e ofendendo a si mesmos(as) e a outros Autistas.
E prejudicando ao esforço e trabalho e dedicação de tantos outros Autistas que com tanta batalha e suor tentam construir uma Imagem Pública Positiva do Autismo e dos Autistas.
Então, na hora de escrever ou compartilhar, um texto sobre Autismo nas redes Sociais, pense na sua Responsabilidade Social para com o Autismo e os Autistas, pense no efeito, na influência e nas consequencias que vai ter sobre a Imagem Pública do Autismo e dos Autistas, pense em como o público verá os Autistas e o Autismo ao ler o que você escreveu ou compartilhou, e veja se vale a pena mesmo publicar, ou se não vale a pena modificar para ficar mais de acordo com a Visão Positiva do Autismo e da Neurodiversidade.


Cristiano Camargo