domingo, 25 de outubro de 2020

As vantagens do Diagnóstico Tardio para Autistas

 


Como sabem, eu só fui diagnosticado aos 41 anos de idade, há 16 anos atrás.Minha vida inteira eu sabia que eu era , de algum modo, diferente das outras pessoas de alguma maneira, em alguma coisa.Meus pais também, idem. Mas nos anos 60/70 o Autismo era práticamente desconhecido no Brasil, pouquissima gente o estudava e o grande público simplesmente o desconhecia. Então eu e meus pais sabíamos que eu era diferente, só não sabiam o nome da diferença.
Meu diagnóstico ocorreu quase que por acaso, em 2004.Mas aí, o Autismo era muito mais conhecido e já havia toda uma infra estrutura montada para se buscar este diagnóstico, que popularizou-se de uma maneira que era impensavel nos anos 60/70.
A maioria das pessoas pode pensar que eu lamente o diagnóstico ter saído quando a minha vida iniciava o período da Meia Idade.
Não. Não lamento. Muito pelo contrário.
Hoje eu sei que, se eu tivesse sido diagnosticado na idade infantil, teria sido submetido a um psiquiatra, a toneladas de remédios psiquiátricos, a "terapias" e "métodos" que teriam como intenção tentar eliminar meu comportamento autístico e tentar me forçar a me comportar como se eu fosse um não-autista.
Poderia ter ido parar numa instituição onde eu ficaria recortando papéizinhos coloridos e os colando em uma cartolina, e colorindo desenhos prontos, jogando uma bola de plástico gigante para um outro "aluno", até hoje e estaria infantilizado.Não teriam me deixado ler literatura nem paleontologia ou comportamento animal, não teriam estimulado minha criatividade, não teriam me deixado escutar música clássica nem adquirir cultura, não teriam me deixado escrever pessoalmente, lançar livros, e estaria trancado em um quarto sob vigilãncia o tempo todo, só saindo para a instituição, ou para consultas e exames psiquiátricos.Fariam tudo para mim, me tratariam mesmo adulto como se eu fosse criança, não me teriam deixado me apaixonar, ter tido namoradas, casar. Não teriam me deixado dirigir, nem ter carros.Não teria autonomia, liberdade, independência, dignidade. Tudo isto por que me tratariam como doente, como se eu fosse portador de um transtorno, e como se eu fosse uma eterna criança, não me deixariam me desenvolver. Talvez até me rotulassem de severo, já que até os 5 anos de idade eu ainda não falava e tinha convulsões direto e reto todo santo dia. Talvez o psiquiatra me acusasse de ter "retardo mental", ou "atraso cognitivo"- sem nem avaliar meus potenciais e capacidades pq o doutor acreditaria de antemão que eu não teria nenhum, por ser autista, e talvez carimbasse um rótulo escrito "severo" na minha testa.E isto desde bebê e passaria minha vida toda assim.
Não teria tido oportunidade de me revelar escritor, editor, palestrante, desenhista, ativista pelos direitos dos autistas e estudante autodidata de paleontologia, comportamento animal, paleoantropologia. Teria perdido a chance de ter tido tantas namoradas, ficantes, ter casado, divorciado e ter tido nestes 57 anos , uma vida amorosa e sexual ativa e feliz.
Tudo isto me teria sido negado pq alguém teria escrito "severo" na minha testa ainda bebê, e ser considerado como se eu fosse doente por ser Autista, e os amestramentos behavourianos teriam me feito renegar minha própria Natureza e não me aceitar como eu sou e tentar me forçar a me aceitar como as pessoas gostariam que eu fosse, como a Sociedade gostaria que eu fosse,um não-autista, ainda que todos ainda asim soubessem que eu seria Autista, e me considerassem um pária social, um excluido e marginalizado , segregado na sociedade. Jamais seria alvo de Inclusão alguma. Com o diagnóstico/laudo nas mãos, meus pais não teriam conseguido me matricular em escola pública ou privada convencional alguma,qdo muito, em uma especial, onde eu ficaria o resto da vida sendo tratado como criança e mesmo adulto, quase na idade senil, continuaria a vida toda recortando papéizinhos coloridos, colorindo desenhos prontos, brincando com a bola de plástico gigante e na piscina de bolinhas e não aprenderia absolutamente nada, onde ficaria infantilizado o resto da vida.Onde eu ficaria deprimido, talvez me auto mutilasse, talvez ficasse revoltado, violento, por saber de meus potenciais e minhas capacidades, mas estar impotente para demonstrá-los e ninguém acreditaria em mim, então, quem sabe, eu tentasse o suicídio.
Mas tudo isto foi evitado.Ainda bem !
Pude me superar e ter a chance de demonstrar minhas capacidades e potenciais, minha intelig~encia e criatividade e revelar a verdadeira pessoa humana que sou.
E diferente de mim, muitos Autistas diagnosticados ainda crianças nas últimas décadas, sobretudo dos anos 90 para cá, tiveram suas capacidades e potenciais tolhidos, sacrificados, sua inteligência e criatividade arrancadas fora, nunca tiveram as chances e oportunidades que eu tive, nem conseguirão estudar, por que a sociedade inteira colocou um rótulo na testa delas e as condenou 'a morte social e como pessoas humanas, 'a exclusão. Umas tiveram, ou tem, mais sorte, outras foram jogadas por seus doutores nos horrores do infortúnio, do qual será difícil de sair, a menos que, como acreditaram em mi um dia, acreditem nelas.Achar que uma criança nunca terá potenciais e capacidades para nada é condená-la a infantilização e dependência eternas.É negar todas as chances de desenvolvimento, independência, autonomia e liberdade, de felicidade.Então é melhor que o diagnóstico só saia depois de as pessoas estarem adultas e terem tido suas oportunidades e capacidades reveladas e aproveitadas e de terem se desenvolvido, e não terem seus cérebros modificados por remédios, terem podido estudar, namorar, dirigir, sem precisar rogar desesperadamente por uma oportunidade, na esperança de que alguém um dia acredite no que de ela é capaz.E passar décadas sem sofrer preconceitos e exclusões como eu passei.
Por que o diagnóstico de Autismo quando criança fecha muitas portas na vida, sobretudo numa sociedade preconceituosa, discriminatória, psicofóbica, onde a visão patologizante/espectrista/reducionista/infantilizadora/estigmatizante do Autismo impera.
Não! Deixemos o Autismo construir e desenvolver nossos filhos Autistas e quando eles já tiverem prosperado, deixem que descubram que a vida toda foram Autistas, e o quanto de Bem e de Bom o Autismo já fez e ainda fará por eles.Vamos apenas guiá-los pela rota que o Autismo dará para eles, ele sabe o que faz!
Diagnóstico de Autismo, quanto mais tardio, melhor. Precoce só valerá a pena quando a Visão Positiva do Autismo e a Neurodiversidade imperarem. Somos gente, somos humanos, não diagnósticos ambulantes...
 
Cristiano Camargo