segunda-feira, 1 de março de 2021

O Autista e seus interesses específicos:O que fazer?

 

O Autista e seus interesses específicos: o que fazer?

Está cheio de postagens nos grupos de Autismo tipo :"-Mamães, meu filho só se interessa por isto, só se interessa por aquilo, o que é que eu faço?"
(como se nos grupos só tivessem mães de Autistas lendo, nem lembram que muitas vezes tem Autistas lendo, pais, médicos(a0, terapeutas, uma infinidade de gente diferente que frequentam estes grupos)
Mas vamos lá:
Geralmente quem publica este tipo de postagem, está preocupada e tem a intenção de fazer o filho se interessar por outras coisas (e geralmente o assunto que o filho se interessa não costuma despertar o interesse da mãe por tal assunto) ou tentar fazê-lo parar de se interessar tanto por aquele assunto.
Ocorre que esta preocupação (que muitas vezes vira aflição e angústia maternas, enquanto o filho não está nem aí para se interessar muito por um assunto só, é uma fonte de prazer e alegria para ele) é descabida e fruto de pura desinformação sobre o Autismo.
As pessoas chamam de fixação,mania, obcessão, mas não é isto, não é nada disto. E o termo "hiperfoco" também é errado e inadequado para descrever, igualmente.
Autistas são extremamente diversos entre si, mas algumas coisas grande parte deles tem em comum.
Sim, Autistas muitas vezes tem interesses intensos e duradouros em assuntos específicos, mas ao contrário do que as pessoas pensam, eles não ficam presos a estes assuntos, nem ficam neles a vida inteira, sem se interessar por mais nada ao mesmo tempo.
Geralmente, Autistas tem fases de interesses por assuntos específicos, e é preciso deixar bem claro que não só crianças, mas estas fases perduram pela vida toda, mesmo na fase idosa da vida.
E um assunto de uma fase não substitui o outro, como as pessoas comumentemente pensam.Não. Eles vão sendo adicionados durante a vida e vão formando uma coleção.
É como a pessoa que lê um livro por muito tempo e depois vai organizando cada livro que lê em cada fase numa prateleira, todos enfileirados, e vão se acumulando ao longo da vida.
Sim, eles podem ficar vários anos no mesmo assunto, na mesma fase, assim como uma pessoa pode passar anos até terminar de ler um livro de 1500 páginas, por exemplo.É preciso que o assunto se esgote, ou o Autista enjoe daquele assunto um dia, para ele se interessar por outro, e pode acontecer de ele descobrir um assunto novo que seja fascinante para ele, e então coloque o velho assunto na prateleira, para sua coleção e inicie o novo, espontâneamente.
Isto tudo ocorre naturalmente, com o tempo, e 'a medida que a idade vai avançando, ele vai acumulando e colecionando assuntos preferidos e pode passar a se interessar sozinho, sem interferência de ninguém nem de nada, por diversos assuntos ao mesmo tempo. Uns mantém um assunto principal e diversos secundários a vida toda, outros diversificam seus assuntos sem ter nenhum principal, varia.
E a duração das fases varia muito, não só de indivíduo para indivíduo, mas para um mesmo indivíduo pode ter fases mais longas e mais curtas ao longo da vida, com durações aleatórias e imprevisíveis.

Também o modo de se concentrar e tratar seu(s) assunto(s) de interesse varia muito.
Então, muitas mães e muitos pais ficam preocupadas(os), aflitas(os), achando que o filho esteja encarceirado em um assunto só para sempre e que nunca mais vai se interessar por mais nada, por que para elas/eles, a fase "já está durando demais".
Porém, esta é uma visão contaminada pela desinformação e falta de informação sobre o funcionamento interno do Autismo, e também pela neura do imediatismo e ansiedade estressada muito comum nos Não-Autistas, e que na verdade não se fundamenta.
A aflição na verdade se origina na impaciência de muita gente para esperar a fase passar e entrar outra.
Muitas mães e muitos pais percebem, muitas vezes com certa mágoa (levando para o lado pessoal, quando na verdade isto não se aplica) , que muitos Autistas não apenas não estão nem aí para a preocupação dos pais com esta fase de interesse único (ou , muitas vezes, aparentemente único)como parecem não estar nem aí com eles (Autistas) próprios estarem nesta fase de interesse, o que aturde muitas mães e muitos pais, que não entendem como ele mesmo não se preocupa.Ou, pior, acham que ele não se preocupa por "ser doente", o que é totalmente errado da parte deles.
Na verdade, o Autista não se preocupa com ele estar naquela fase de interesse por que para ele isto é perfeitamente natural, não tem nada de mais, é algo que preenche sua vida e lhe dá prazer e alegria, então, por que se preocupar.
Mas não é verdade, como muitas mães e pais possam pensar, que ele sempre não esteja nem aí com a preocupação deles com ele.
Para os Autistas, como estar numa fase de interesse é algo natural e benéfico, muitos Autistas tende a pressupor que os pais também achem isto e vejam isto do mesmo jeito que eles veem.
Porém, quase nunca é assim, e muitos Autistas percebem esta preocupação dos pais, sem entender por quê (já que para eles é algo natural e pressuposto), e acabam sendo levados pela angústia, aflição , preocupação e ansiedade dos pais. No caso de muitos Autistas a aflição não é só a de ver os pais preocupados com eles (o que muitas vezes gera um sentimento de culpa), mas também não entender como é que algo que para ele é tão natural,tão benéfico, tão gostoso, tão pressuposto pode ser motivo de preocupação dos pais, e ele pode se perguntar se ele não estaria se comportando de modo errado, se não estaria fazendo algo feio, errado, pode ficar com medo de ser punido, enfim...a angústia pode assaltá-lo pela dúvida entre fazer o que gosta ou agradar aos pais e despreocupá-lo as custas do que o faz feliz.
Então, respondendo as perguntas destas mães: O que elas devem fazer?
Para ele parar de se interessar por este assunto específico e se interessar por outras coisas, NADA.
Devem sim incentivá-lo a continuar esta fase de interesse e ter paciência para esperar ele espontâneamente, sozinho, se interessar por outra coisa, que será tão específica quanto a primeira. E lembrar: nem todo garoto TEM QUE gostar de futebol, nem toda garota TEM QUE gostar de bonecas, fogõezinhos, etc, nem toda criança TEM QUE gostar de videogame o dia todo, nem toda criança TEM QUE gostar "do que todo mundo gostava quando era criança". Seu filho e sua filha tem nomes. Eles e elas não se chamam "Todo Mundo". Eles e elas tem direito a gostar de dinossauros, animais pré históricos, carros, astronomia, trens, navios, ficção científica, ou certos desenhos animados, programas de TV, séries, filmes de cinema muito específicos. Eles tem direito de preferir ler livros de papel ao invés de ficar na TV ou no videogame. Tem Autista com gosto para tudo, para todos os gostos, a variabilidade (diversidade) é imensa. E natural. E saudável!
E muitas vezes, sobretudo quando uma fase de interesse permanece a principal pela vida toda, estes interesses específicos podem ser o sinal de uma vocação forte para uma carreira profissional no futuro. Um Autista que ama dinossauros pode acabar virando um paleontólogo. Um outro que gosta de carros pode virar um engenheiro um dia. Outro que ama astronomia pode virar um astrônomo ou mesmo um astronauta no futuro.
Por tudo isto é bom incentivar, estimular.
Interesses específicos e concentrados são a grande alegria da vida dos Autistas, os fazem felizes. Vamos então deixá-los curtir suas felicidades e serem felizes. Estas auto realizações elevam o ego, afastam a angústia, a depressão, os surtos, a auto confiança, a auto estima, só fazem bem!
Então, não tentem tirar isto deles, não tentem cortar o barato deles. Vamos deixá-los em paz, por que mesmo se eles se isolando para curtir o que gostam e viverem estas paixões intensamente, eles não estão se sentindo sozinhos, nem solitários, eles estão felizes.
E entender isto neles é entender e aceitar as Diferenças !

Cristiano Camargo

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