domingo, 19 de fevereiro de 2017

Autismo: a vez da voz dos filhos !

Algo que me faz diferente de tantos outros ativistas pelo Autismo nas comunidades espalhadas pelo Face, é que procuro tentar ser muito mais a voz dos filhos do que a voz dos pais.E felizmente, outros filhos e filhas autistas tem seguido e trilhado este caminho também.Mas , por que?
Pais e mães de Autistas que falam pelos filhos e que expressam suas dificuldades, preocupações e angústias, já existem muitos, são a maioria absoluta que compõem as Comunidades de Autismo nas redes sociais.
Mas o principal motivo não é este.
É porque considero que é muito importante para os pais ouvirem a voz de seus filhos e dos filhos dos outros.Prestar atenção ao que os filhos autistas tem a dizer é muito importante, e muitas vezes o caminho para as superações dos filhos está nos recados a que eles tem a transmitir.Penso que é importante que os filhos autistas tenham suas vozes ouvidas, opinião própria e suas próprias hipóteses sobre o Autismo, afinal, ,como são autistas, podem falar do assunto com domínio e propriedade.
Claro que muita gente gostaria ou só se interessa em ouvir depoimentos e histórias de vida, e ficassem só nisto e não tivessem idéias próprias. Mas ei, pode estar nas idéias próprias dos filhos autistas a saída para as preocupações maternas e paternas, o caminho para uma aceleração do desenvolvimento, para as superações !
Então, por que não ouvi-las?
Eis que pois, muitos pais e mães não suportam nada que não for interpretado por eles/elas como apoio e incentivo, mas, alto lá, pais e mães são humanos,e como todo mundo, podem errar. Ou podem estar no rumo errado sem saber,e podem precisar que alguém lhes abra os olhos para lhes mostrar novos caminhos , novos rumos na educação dos filhos, que podem ser tomados.Mudar de idéia não é ter culpa. Mostrar novos caminhos não é culpar. Mostrar onde se está errando é um ato de amor.
Não é apontando os erros aos filhos que eles ensinam os filhos a não errar mais?Como vamos aprender a não errar, como aprenderemos com os nossos erros, se não soubermos que erros foram estes, sem saber onde erramos, e em quê?
E por que não os filhos apontarem os erros dos pais também?
Afinal, os filhos, especialmente depois de adultos, tem uma grande bagagem de experiência como filhos e sabem como foram criados (que nem sempre é como gostariam de terem sido) e sabem como gostariam de ser criados. E quem, antes de ser pai e mâe não tem mil planos de como vão educar os filhos como forem?Estes planos nasceram de suas experiências como filhos, pelo que viveram e pelo que observaram dos pais. E muitos não querem cometer os mesmos erros e repeti-los de geração a geração.Enquanto os pais criam, os filhos os observam e vão anotando tudo o que os pais fizeram que os filhos interpretaram como erros que poderiam ter sido corrigidos,e bolam soluções. São erros que os filhos não chamaram a atenção durante a criação por, em certos casos, excesso de severidade e autoritarismo (“-Não responda para mim !Me respeite!”), e aí, tolhidos de seus direitos ‘a opinião própria, não puderam ajudar os pais na época. Mas , se por um lado, ter pais muito severo não deixa que os filhos tenham sua voz para ajudar aos pais, para estes filhos ajudarem outros pais é bem mais tranquilo, pois deixa de ser uma relação de autoridades e comandados, o que confere aos filhos mais liberdade de ação e expressão.
Então, só elogios e apoios explícitos, rasgações de seda e alimentos para ao ego e a vaidade dos pais e mães pode não os estar ajudando, pode até estar atrapalhando, porque mascara os problemas e os erros. E muitas vezes, também a crítica pode ser um ato de amor, um ato de solidariedade, o importante neste caso é não ficar na simples crítica, mas mostrar soluções. E não há como mostrar soluções sem mostrar os erros.Acertos não ensinam nada, erros ensinam tudo a quem estiver disposto(a) a deixar o orgulho, o ego e a vaidade de lado e aprender.
Tem gente que vê nos apontamentos de erros, críticas e no apontar de soluções uma culpabilização dos pais? Tem, e muita ! Mas tem razão?
Não, por que não cabe culpa nas criações dos filhos, nem nos comportamentos de pais e mães.Buscar culpas não leva ninguém a nada de bom. Procurar culpas em críticas , idem.
Os filhos autistas não falam para acusar nem culpar ninguém. Falam para procurar ajudar aos demais pais e a outros filhos, o objetivo é sempre o desenvolvimento e as superações.
E um filho autista não fala por si só, representando apenas seu próprio caso, como muitos pais de autistas os acusam.
Muitos erros são comuns em muitas criações diferentes e precisam ser apontados. E , embora existam milhões de autismos diferentes, muitas coisas eles tem em comum entre si, ou não seria todos eles chamados de Autismo. Você pode ter muitas marcas de carros, sedans, peruas, picapes, esportivos, jipes, conversíveis, com “n” configurações diferentes de motores, etc, mas todos tem em comum quatro rodas, bancos, parabrisas, volante, etc. O mesmo se aplica ao Autismo, só que com uma variabilidade infinitamente maior e com a humanidade que uma máquina não tem, mas algumas coisas em comum todos tem, e estas formam sua Identidade, a Identidade Autística.
Então dá para um autista falar de tudo o que se refere a Identidade Autística falando por e para todos os demais Autistas. Por que isto, apesar de diferentes, eles tem em comum.
Então, por fim, é por tudo isto que sigo tentando ser uma voz de filho autista, e falar para os filhos.
E é por tudo isto que é importante não deixar só que os pais falem por seus filhos ou por todos os filhos, sozinhos. Os pais não estão sozinhos no mundo.E os filhos tem voz, querem e precisam se expressar e mostrar o que pensam , o que sentem, o que vivem.E acima de tudo, querem ajudar. Não só a eles, mas aos pais também.
Que tal ouvirem o que temos a dizer?

Cristiano Camargo


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