sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Os Gritos do Silêncio;Processamento dos Traumas no interior da Mente Autista





Eu já tinha dito em artigos anteriores que o Autista, quando está em seu Mundo Interno de Fantasia (MIF), está feliz e alegre, brincando lá dentro e não se sente solitário.
Mas isto é para tempos comuns ou tempos felizes. E quando ele sofre um trauma psicológico ou é vítima de um evento traumático?
 O MIF espelha dentro da mente do Autista tudo o que se passa em tudo o que vive: seu dia a dia, seu relacionamento com as pessoas, os programas de televisão, filmes de cinema, livros e revistas que lê (ou vê as figuras)...tudo isto o influencia e passa a ser absorvido lá dentro.
É como se o MIF fosse uma grande esponja de conhecimentos, vivências , experiências. Ajudado pela memória imediata, O MIF vai juntando tudo dentro de si e processando tudo isto, mas de qual maneira?
Distorcendo o que entra e o adaptando a parâmetros ideais. Como o MIF faz parte do Insconsciente, as informações e acontecimentos são incluídos em um formato que o Autista aceite, ou seja, previsível e alegre, divertido, e a cada pessoa que ele conhece, e que passa a gostar ou não, vai tendo um personagem equivalente no MIF, diferente em personalidade da pessoa real, que se comporta dentro do MIF não como ela se comportaria na Realidade, mas da maneira que o Autista considera ideal, imagina, sonha, quer.
Porém, nem tudo dá para ser convertido em coisas legais, alegres, felizes.Um trauma ou um evento traumático entra , vamos dizer, na pasta dos vilões, e a pessoa causadora do trauma tem seu equivalente no MIF criada com o papel de vilã, inimiga, e passa a ser assustadora,geradora de insegurança, abalando a auto estima, auto confiança e a auto segurança tanto dentro como fora do MIF, refletindo-se na Realidade através de seu comportamento.
Quanto mais forte e terrível for este trauma, mais poderoso é o vilão, e heróis são convocados para combate-lo.
Mas dentro do MIF  a História é uma e fora é outra, bem diferente, e o Autista sabe bem disto.
Tanto que, se ele for, por exemplo, assaltado por um garoto  de rua, quando ele ver outro garoto de rua, ele vai se sentir inseguro e se não for tirado de perto dele , ele pode até surtar. E por quê?
Por que no momento em que ele ver o garoto de rua, mesmo que seja outro e não tenha nada a ver, vai lembrar o personagem garoto de rua vilão no MIF e acionar as defesas, mas vendo que é real, e não apenas imaginário, o Autista terá sua insegurança multiplicada, por que em seu MIF o vilão aumenta de tamanho e fica muito mais o r e mais assustador do que já é, e o Autista começa a temer que seus heróis(muitas vezes os equivalentes aos pais no MIF) não sejam capazes de vencer a luta. Se os pais ficam enrolando para ir embora e achando que o autista está só perturbando, e se irritam com o que acham que é impaciência dele (os pais sabem que não é o mesmo e acreditam que não serão atacados de novo, muitas vezes, ou estão ocupados conversando com amigos{as} ), aí a tensão aumenta e o desespero chega, por que quanto mais contato com aquele que lembra seu vilão, mais o vilão cresce e fica poderoso e o Autista acha que vai ser pego.
Muitas vezes, se ele sofre uma rejeição, decepção, incompreensão ou segregação/isolamento de quem ele gosta, o personagem equivalente daquela pessoa faz a mesma coisa dentro do seu MIF,o que o deixa confuso e ele fica tentando entender por que isto aconteceu, por que ele agiu assim,em profundidade, analisando todo o ocorrido, tentando reconstituí-lo mentalmente em detalhes e isto pode levar horas, dias, semanas e até meses, por que simplesmente não bate com as informações que tinha do personagem até então e faltam informações muitas vezes cruciais. Por isto que , em muitas ocasiões, “a ficha demora a cair”, e quando cai, cai de vez, por que aí todo o processamento das informações está pronto e um novo vilão ou herói pode ter sido construído e atuando, gerando reações negativas ou positivas. Dependendo da situação, a pessoa real pode fazer parte da lista de pessoas confiáveis, na das pessoas em que não deve confiar totalmente, ou nas que não deve confiar de jeito nenhum.
De qualquer modo, as novas informações produzidas pelo evento traumático vão para o “banco de dados” de personagens que tem reflexo na Realidade, para tentar na próxima vez, prever melhor seu comportamento e reações.
Dependendo da intensidade do trauma, as imagens traumáticas ficam retidas na memória para serem utilizadas para a composição do personagem-espelho, e seu comportamento e personalidade, e também para lhe lembrar do que aconteceu e não se deixar mais se ver na mesma situação de novo. É como se fossem  telas de televisão dentro do MIF reprisando a mesma cena novamente sem parar, obra do nosso já conhecido Juiz Interior, que considera que o Autista foi incapaz de reagir como deveria(com heroísmo) na realidade, e o condena à  angústia, pois quer que o Autista fique vendo o seu erro sem parar. Some-se a isto a Pressão do Ditador Interior, que exige que as pessoas lá fora se comportem exatamente como se comportam dentro do MIF, e  se tem uma demora no processamento do trauma maior do que normalmente seria, que só se resolve quando o Autista decide enfrentar seu Juiz e Ditador, e finalmente consegue processar o trauma colocando-o numa dimensão mais realista, sem as distorções inconscientes, fazendo- o entender a situação que passou não como se fosse muito pior do que foi realmente, mas como realmente foi  e ele a enfrenta e seus heróis vencem o vilão.
Então é assim: tempos felizes, MIF feliz, tempos traumáticos, tempos de tempestades no MIF.
Mas como toda tempestade, um dia esta do MIF também passa, mas é importante, no tocante aos pais (e terapeutas também) o reforço na auto estima, auto confiança e auto segurança do Autista, e o acompanhamento psicanalítico pelo terapeuta, para orientar o Autista na direção certa a tomar para solucionar e enfrentar o trauma de maneira positiva.

Cristiano Camargo

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