terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Interpretação Autística da Ralidade e sua relação com a Educação dos Autistas






Para que possamos viver, e interagir com o Mundo, e, mais ainda, para nos relacionarmos com outras pessoas e vivermos em Sociedade, é primordial que sejamos capazes de interpretar o Mundo, a Vida, o que vemos, e , principalmente, o que as pessoas falam. A interpretação é essencial para ambas as partes de uma diálogo, em que um fala, e o outro precisa interpretar o que outro disse, concordar, discordar, dar uma opinião, descrever como se sente ou como vê o mundo. Isto é ainda mais crítico se uma das partes estiver passando por situações difíceis, sofridas . Uma das grandes dificuldades, talvez a maior, em se estabelecer um diálogo e uma convivência entre uma pessoa Autista e uma não-Autista é justamente a questão da Interpretação do que a outra pessoa falou. Uma das melhores maneiras de se preparar uma pessoa, seja ela Autista ou não, a dominar sua capacidade de interpretar os argumentos e falas da outra pessoa e responder,  é o ensino da interpretação de textos, especialmente os que contém  diálogos .
No entanto, as pessoas não-Autistas há muito herdaram de seus ancestrais, desde as mais remotas eras, um uso bastante  peculiar de usar a Teoria da Mente e a Empatia: usando do chamado Bom Senso, ou Senso Comum, em que certos códigos implícitos de conduta e raciocínio são ensinados e a pessoa aprende a se colocar no lugar da outra, e procura demonstrar piedade ou solidadariedade para com a pessoa que está sofrendo, alegria e satisfação com quem está feliz, ou compartilhando raivas e ódios, sempre expressando um sentimento semelhante ao do interlocutor para agradá-lo, ou, algumas vezes, pelo apoio sincero, é a Empatia, capacidade de se tornar simpático aos olhos do outro.De certa forma, as pessoas na Sociedade são adestradas a seguir estas regras não escritas em nome do convívio social e muitas vezes elas se anulam ou deixam de expressarem o que realmente estão sentindo ou deixam de falar o que realmente gostariam para não trazerem consequências desagradáveis para si mesmas, e com o tempo, tal interpretação se tornou um procedimento padrão. A mesma coisa é exigida nas salas de aula , na hora da interpretação de textos, e esta forma padrão é colocada como a única correta e consensual.
 Mas  a interpretação de textos seria mesmo uma só correta e qualquer interpretação desviante ou diferente seria errada?
A questão advém do fato de Autistas usualmente interpretarem tanto textos como as falas das pessoas de uma maneira totalmente diferente e , igualmente, as pessoas não-autistas, usando suas técnicas convencionais, padronizadas  de interpretação, acabam por interpretar o que o Autista fala de maneira  muitas vezes completamente equivoca, o que dificulta sobremaneira os diálogos deles com os Autistas.
Ao se ensinar estas técnicas convencionais e por estes parâmetros padronizados analisando as respostas dos Autistas na fala e na escrita na verdade, querendo direcionar a interpretação de texto dos Autistas  para a  ideologia não-Autista, fazendo com que eles fossem forçado a ver o texto  ou a fala e ter sempre as mesmas opiniões que os Não-Autistas? Estariam os Não-Autistas agindo de forma ditatorial?  Não seria a educação, em súmula, em essência, a imposição de conhecimentos e formas de chegar ao conhecimento padronizadas? Seria a Educação uma forma de condicionamento, amestramento, impositiva e ditatorial por natureza? Afinal, ensina-se como verdade absoluta e indiscutível os conhecimentos já consagrados por centenas de estudiosos e cientistas, através dos séculos, que ninguém se atreve a contestar por que já incorporados ao Senso Comum e ao Bom Senso , e os Professores já estão tão acostumados a ensinar todo dia, todo ano, para todas as classes sempre os mesmos repetitivos e batidos conhecimentos, e, de certa forma ele se restringe e restringe seus alunos, ao restringir a uma visão estreita e compactada de apenas certos conhecimentos selecionados, em uma prática que não estimula o senso crítico nem a visão crítica da sociedade e da realidade. Então não estariam os Autistas no fundo corretos em mostrar uma interpretação diferente e em serem arredios em aceitar a maneira  fixa e convencional de interpretar os textos como querem muitos professores? Talvez isto não seja um defeito, afinal, e sim uma qualidade. Talvez se possa chegar ‘a conclusão de que se ficou tempo demais prestando atenção em tentar fazer o Autista interpretar como o Professor quer, e em achar que tudo o que o Autista disser seriam erros, sem realmente prestar atenção no que ele diz e como ele realmente vê o texto, e que, de repente, ali naquelas interpretações dele, pode estar a chave para descobrir o funcionamento da mente Autista, do pensamento Autista, do modo Autista de ver a realidade.
Talvez então, venha a ser necessário mudar de método e prestar atenção e valorizar as interpretações do Autista, e tentar fazer ele justificar logicamente suas interpretações.
No entanto, interpretar textos é uma coisa, interpretar pessoas reais é algo muito diferente, e mais complexo.
Dentro do raciocínio da ideologia Não-Autista, convencional, padronizada, se o Autista não usa o Senso Comum e Lógico para interpretar as pessoas, ele terá sérios problemas de relacionamentos com as pessoas, por que as pessoas esperam das outras uma interpretação neurotípica delas mesmas, baseada no bom senso, no senso comum, que nem percebem, isto é para elas simplesmente lógico e natural, um hábito arraigado. Ninguém esperaria a interpretação autística delas, pois não foi a para a qual foram condicionadas a vida toda para receber, por isto pode parecer para elas totalmente alienígena. Mas teriam os Professores direito de condicionar o Autista a esta interpretação padrão? Será que só esta interpretação padrão é a correta? Não seria essa cheia de vícios, e não erraria ela muitas vezes? Afinal as pessoas não são padronizadas, são diferentes entre si. Mas as pessoas então é que teriam de aprender a entender esta nova interpretação autística delas? Mas como se faria isto, se elas já estavam tão profundamente condicionadas?
Para tentarmos responder esta questão fundamental, não só para a educação dos Autistas, mas para um maior sucesso deles nos relacionamentos em Sociedade e viabilizar sua Inclusão, é preciso  entender como funciona a Interpretação Autística da Realidade, e como funciona a Teoria da Mente no âmbito da Mente Autista.
Assim, uma metáfora se faz necessária. Vamos pegar como gancho um dos assuntos mais populares na preferência dos Autistas: Dinossauros.
Como sabemos, muitos Autistas amam dinossauros e muitos deles que já aprenderam a ler, leem livros científicos de Paleontologia para se informar sobre estes animais pré-históricos e depois de ler, exibem um conhecimento invejável do assunto de sua predileção.
Mas quando o  livro  é de literatura , eles podem ter grandes dificuldades. Por quê?
 A linguagem científica é precisa, concisa, lógica, fria, racional, sem nenhum fator emocional a interpretar. E é aí que começavam os erros de interpretação de textos literários, pois  Autista acostumou-se a interpretar apenas  dados frios e exatos, precisos, previsíveis e a estender isto ‘a interpretação de seus próprios sentimentos, e a levar isto para a interpretação dos sentimentos dos outros, uma interpretação mais lógica , racional. Não que ele não interpretasse os dos outros, não o soubesse fazê-lo, isto ele faz bem-quando quer. Mas não do jeito convencional, do jeito todo dele, particular.
A questão é a de que muitas vezes ele se coloca no lugar das pessoas reais, mas não  das reais, e sim das  idealizadas por ele, as que ele idealizou no Mundo Interno de Fantasia dele, prevendo um comportamento e sentimentos que ele tinha colocado nas pessoas reais que ele idealizava na cabeça e não como elas eram realmente. E aí a chance de errar é grande. Por que ele imagina  a personagem do livro, faz sua interpretação dela, que após passar pelo inconsciente dele ganha uma personalidade totalmente diferente da personagem descrita no livro, pois a personagem agora é como ele quer que ela seja, não como o autor do livro diz  que ela era. Ele se apropria das personagens e elas deixam de ser, na sua imaginação, não como o autor do livro imaginou, mas como o Autista quer que sejam.
Ocorre que, para cada pessoa com a qual o Autista convive, ele cria em seu Mundo Interno de Fantasia, um personagem equivalente, com o mesmo nome, mas com a personalidade alterada pelo próprio Autista, para se comportar do jeito que o Autista gostaria, tornando-se assim, totalmente previsível, portanto , fonte de segurança para o próprio Autista.
E é esta imagem idealizada da pessoa real que o Autista Imaturo irá utilizar para se colocar no lugar das outras pessoas. E também é esta pessoa idealizada que ele usará para planejar diálogos e ações, buscando nas pessoas uma previsibilidade que as pessoas não tem.
Muitas vezes as pessoas podem pensar que o Autista não tenha sentimentos ou seja frio por que reagiu de uma maneira não-usual diante, por exemplo, de uma notícia de falecimento de algum parente, de uma notícia de internação  numa UTI, etc. 
Na verdade, não expressar os sentimentos na hora não quer dizer que não tenha sentimentos. Os Autistas os tem e costumam ser muito sensíveis inclusive. Mas então, por que não chorar na hora, passar palavras de consolo, expressar preocupação?
Cá dentre meus artigos, já expliquei algumas vezes, que em muitos casos, “a ficha demora a cair”. Então, ao ouvir a notícia, o Autista tem sim noção do que aconteceu e do que significa, mas isto vai inicialmente para o fundo de seu Inconsciente. No momento, a curiosidade fala mais alto, talvez mesmo como um mecanismo de auto proteção/auto preservação, e ou ele demonstrará desinteresse, como se não fosse nada de mais, ou ele fará perguntas que as pessoas considerarão desconcertante e inadequadas para o clima. E pode querer saber como tudo aconteceu e imaginar a cena em sua imaginação, que poderá inclusive se ocupar de introduzir novos elementos e fazer conjectura de como poderia ter sido se acontecesse isto ou aquilo.Só mais tarde ele lembrará da pessoa e sentirá falta dela e aí sim, se conscientizar do fato e se condoer, sentir.
Com o avanço do Processo de Amadurecimento/Desenvolvimento Autista, porém, o Autista vai incorporando elementos Do uso mais tradicional da Teoria da Mente e de interpretações mais tradicionais também, porém, mantendo sempre uma visão Autística de buscar nos fatos, detalhes que passaram desapercebidos das outras pessoas e buscar múltiplas abordagens/interpretações possíveis.
Porém, as dificuldades de relacionamentos entre Não Autistas e Autistas devido ‘as diferentes maneiras de interpretar textos e falas, não se deve apenas ‘a maneira unusual do Autista de fazer esta interpretação: É muito comum, por exemplo, Não-Autistas interpretarem uma fala das outras pessoas, sejam Autistas ou não, levando-a para o lado pessoal e recebendo-a como ofensa, quando muitas vezes não foi a intenção da outra pessoa. Ou ainda, julgar pelas aparências, pela superficialidade, não observar todos os detalhes, mas apenas os que lhe convém, onde possam buscar um potencial ofensivo contra si. Isto leva a pessoa a erros de julgamento e a reações hostis, e isto é mais comum de acontecer quando esta pessoa fala com um Autista.
E por quê? Muitas vezes, é pela grande sinceridade e franqueza Autistas (que ao ver dele, o correspondente da pessoa idealizada na mente dele não se ofenderia por isto), outras vezes pelo rico detalhismo das descrições Autistas, que pode passar uma impressão de arrogância ou esmo falta de sentimentos para a pessoa não –Autista).
A compreensão e aceitação da Interpretação Autística de fatos e textos, e a valorização desta ,no contexto educacional e social, admitindo mais de uma interpretação como correta, pode levar a um melhor relacionamento entre Autistas e Não-Autistas, promover uma melhor sociabilização e, consequentemente, Inclusão, e a uma Educação para Autistas mais efetiva e eficiente, facilitando o aprendizado tanto do aluno como do professor.

Cristiano Camargo


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